Maquiagem voluntária.


Ela possuía os olhos mais irritantes que alguém já imaginou pensar em ter visto. Olhos questionadores, convincentes, porém medrosos. Deitada em sua cama, olhando as paredes da cor que menos lhe agradava, avistando as inúmeras roupas e sapatos jogados pelo chão marrom, ela se questionava. Não permitia a ninguém que lhe vissem se questionando. Não permitia a ninguém que lhe conhecesse de verdade. Tentava criar uma tática de observação e aprendizagem, uma forma de sair das mais agravadas situações, deixando no ar um dúvida constante, uma pergunta que no mínimo teria que ser pensada três vezes para iniciar uma procura por respostas.


Ela era viva, mas parecia estar morta. Mostrava a todos o que era a vida, mas preferia o esconderijo da morte. Pensava em todas as respostas que poderia ter dado, mas que por não se importar, silenciou. Identificou no fundo de suas caixinhas denominadas memórias um modo rápido, eficiente, mas trabalhoso de esconder-se sem precisar da estagnação que a morte mostrava ter.


A maquiagem era a solução. Levantou-se num pulo e tropeçou nas roupas. Chutou-as para debaixo da cadeira mais próxima e abriu a porta do banheiro com força correndo até o espelho. Pegou em sua pele do rosto, sentiu o ar quente saindo das narinas e molhou com a língua os lábios. Chegou o mais perto possível do espelho e procurou nas gavetas do armário os potes de maquiagem. Lavou o rosto, enxugou em uma toalha velha e vermelha, espremeu um tubo de base e inciou o que diariamente, a partir daquele dia, faria. O pó compacto completou a máscara que só a água, arrancaria. Maquiou os olhos com cores fortes e a boca com batons e brilhos marrons, nada que chamasse muita atenção ou que fizesse as pessoas pensar em como era seu rosto, sem aquela máscara facial.


Olhou-se no espelho mais uma vez e amou aquilo. Era um misto de vontade de esconder-se e vontade de parecer tão bonita quando o reflexo do espelho confirmava. Ofereceu aos potes de maquiagem um local privilegiado em sua bancada, em sua vida e em suas ações.


A única coisa que conseguiria com sucesso tirar a maquiagem que ela antes de dormir retirava com cautela e felicidade, era a água. E essa égua, era o que agora lhe levava a frente do espelho novamente. Essa égua, eram as lágrimas.


Por quanto mais tempo essa maquiagem enganaria a todos?

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